Fatores Ambientais

Fatores ambientais e a dinâmica dos ambientes bentônicos

Flávio Berchez & Fanly Fungyi Chow Ho

Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Introdução


Os fatores ambientais bióticos e abióticos modelam a estrutura e dinâmica dos habitats bentônicos, com importância distinta em cada um dos ambientes, estações do ano ou regiões geográficas.

Embora para fins didáticos cada fator frequentemente seja apresentado isoladamente, é importante lembrar que sua ação na natureza é sinérgica, frequentemente tendo uma influência distinta do de cada um isoladamente.

Normalmente os fatores ambientais são divididos em bióticos e abióticos. Os fatores abióticos correspondem a agentes não vivos do ecossistema que modelam o ambiente. De forma correspondente, os fatores bióticos se referem a agentes vivos que modelam o ecossistema e as suas relações.

As informações do site não pretendem dar uma visão completa e aprofundada sobre fatores ambientais, mas sim possibilitar uma visão inicial e geral dos mesmos, de seu papel nas comunidades bentônicas e da influência que sua variação pode ter nas mesmas. A bibliografia indicada ao final permite o aprofundamento no assunto.


Fatores abióticos


Radiação solar


Um fator fundamental em todos os ambientes é a radiação solar, pois dela depende o processo da fotossíntese com liberação de oxigênio (fotossíntese oxigênica), responsável pela produção de matéria orgânica primária em todos os ambientes terrestres e aquáticos. Em uma visão bastante simplificada, nesse processo o dióxido de carbono, a água e a radiação solar são utilizados na produção de glicose, com a consequente liberação de oxigênio. Esse processo ocorre em organismos fotossintetizantes com clorofila que, além das plantas terrestres, também é presente em organismos denominados popularmente como algas que, embora bastante distantes entre si em termos de parentesco evolutivo, tem esse processo em comum. A partir da glicose, todos os componentes orgânicos desses organismos fotossintetizantes são formados e posteriormente aproveitados dentro da cadeia ecológica por outros seres vivos.


No processo da fotossíntese das algas são importantes comprimentos de onda fora da radiação visível pelo ser humano, na faixa do infravermelho e do ultravioleta. Por esse motivo o termo “luz” não pode ser aplicado, sendo preferível o uso da palavra “radiação”. 


A radiação como um todo é absorvida ao penetrar na coluna d’água do mar, mas de forma diferencial para os diferentes comprimentos de onda. Enquanto o infravermelho e vermelho são absorvidos logo após a superfície, nos primeiros centímetros, e o comprimento de onda azul é a faixa da radiação que tem maior penetração, ultrapassando os 100 m em águas limpas. Algumas algas podem fazer fotossíntese em profundidade onde a radiação já é tão pouca que o ambiente é totalmente escuro para o ser humano. As adaptações para absorção da radiação são relacionadas tanto ao aumento do centro de captação luminosa, ou seja, o complexo de pigmentos fotossintetizantes acessórios, como à coloração da alga. Existem basicamente 3 grandes grupos de algas com representantes bentônicos, as algas pardas, algas verdes e algas vermelhas, que absorvem com mais eficiência os comprimentos de onda complementares a essas faixas do espectro.


A radiação, por outro lado, pode também ter um papel de vilã. Os comprimentos de onda mais energéticos, na faixa do ultravioleta, podem causar danos às algas, que incluem desde a degradação dos pigmentos fotossintetizantes a mutações genéticas. O mesmo é verdade para invertebrados, muitos deles sésseis, fixos ao substrato e com pouca ou nenhuma mobilidade. Por outro lado, para os organismos que vivem na faixa de marés, durante a maré baixa a radiação solar pode ter consequências indiretas, como o aquecimento intenso. Com a perda de água, ocorre ainda a dessecação e consequente aumento da salinidade e a diminuição na disponibilidade de nutrientes. Nos níveis mais altos da faixa de marés, onde a exposição ocorre por mais tempo, apenas organismos especialmente adaptados sobrevivem. 


Tipo de Substrato


O tipo de substrato é um fator abiótico fundamental. Muitos organismos bentônicos vivem fixos a um substrato, que de forma geral tem que ser consolidado, como rochas de diferentes origens, troncos e raízes, estes últimos presentes nos manguezais. Geralmente, os organismos com hábito bentônico não ocorrem fixos em substratos não consolidados, como areia ou lodo, que não permitem sua aderência. Entretanto, algumas algas e angiospermas marinhas se adaptam a esses ambientes através do desenvolvimento de estolões, ramos horizontais que ocorrem como uma rede enterrados no substrato e dos quais surgem ramos verticais que saem para fora do substrato e são responsáveis pela captura da radiação solar e trocas de nutrientes.


No caso do substrato consolidado, sua origem varia e tem importância na estruturação do ambiente. Em alguns casos temos rochas magmáticas, como em muitos costões rochosos, com menos cavidades e microcavidades quando comparadas às rochas sedimentares, mas que podem ocorrer em diferentes estágios de fragmentação, desde paredões até pequenas pedras ovais ou circulares. 

As rochas sedimentares, que formam barreiras ao longo do litoral nordeste brasileiro, são menos rígidas, possuindo maior quantidade de reentrâncias e, portanto, microambientes diferenciados. Além disso, possuem maior quantidade de microcavidades, facilitando a fixação dos organismos bentônicos por rizoides e outras estruturas de fixação. 

Em outros casos, o substrato consolidado é formado por rochas de origem biológica, ou seja, gerado pelos próprios organismos que fazem parte da comunidade, como os corais, com seus esqueletos rígidos, ou as algas calcárias crostosas que formam os rodolitos. Os rodolitos são rochas de diferentes tamanhos formadas por algas calcificadas, onde apenas a parte superficial é viva, embora extremamente dura, tendo a cor rosada quando vivos. A parte interior do bloco, que teve a mesma origem, já não é viva. Tanto os rodolitos como os corais servem como substrato para outros organismos, estruturando o ambiente a partir da oferta de um substrato rígido de origem biológica.

Também tem origem biológica os troncos e raízes dos manguezais, sobre os quais organismos bentônicos também se fixam.


Temperatura da água


A temperatura da água do mar é determinante tanto para a distribuição geográfica dos organismos nos diversos habitats como em termos locais na ocupação da faixa litorânea. Cada organismo possui limites de temperatura entre os quais pode viver. A temperatura pode influenciar processos metabólicos, como fotossíntese e respiração, e processos reprodutivos, como a formação de determinadas estruturas de reprodução. 


Nos Bosques de Kelps as algas pardas gigantes que estruturam o ambiente dependem de temperaturas frias, onde a razão entre fotossíntese e respiração é maior, permitindo um crescimento mais rápido e eficiente. No caso dos recifes de coral, ocorre ainda um outro fenômeno, onde temperaturas mais altas levam a eliminação das zooxantelas, organismos unicelulares simbiontes essenciais em termos nutricionais para sua sobrevivência. Esse processo, genericamente denominado “branqueamento dos corais”, leva à morte de grandes extensões de recife e ocorre nos períodos mais quentes. Dessa forma, a variação geográfica das temperaturas da água limita a distribuição de determinadas espécies e, portanto, dos ecossistemas dos quais são componentes. 


No Brasil, são exemplos de grandes massas oceânicas ligadas a essa distribuição, a Corrente do Brasil, quente e pobre em nutrientes, que margeia a costa no sentido norte sul a partir da Bahia e a “ACAS”, fria e rica em nutrientes que vem no sentido sul a norte. Esta última passa a correr abaixo das massas de água mais quentes a partir, aproximadamente, de Santa Catarina, aflorando na região de ressurgência de Cabo Frio.


As variações na temperatura das correntes de água, relacionadas às mudanças climáticas globais, já vem causando alterações nas comunidades bentônicas há mais de uma década. Por exemplo, alterações nas correntes oceânicas na região da Austrália, detectadas na década passada, foram relacionadas à retração dos Bosques de Kelps nessa região.


Variações locais na temperatura são mais importantes para os organismos que vivem na região entre-marés. Devido à radiação solar, a temperatura aumenta muito e em si pode causar danos, como a degradação de proteínas, pigmentos, membranas e DNA. Em regiões frias, ao contrário, a temperatura pode causar resfriamento intenso e congelamento intracelular, levando à morte das células afetadas. Adaptações comuns em organismos sujeitos a esse tipo de estresse estão relacionadas ao acúmulo de substâncias anticongelantes e defesas contra estresse. Em poças de maré a temperatura da água pode também aumentar muito, expondo os organismos a esse estresse apesar de estarem imersos. A intensidade do estresse varia de acordo com a estação do ano.

Indiretamente, o aumento da temperatura e o fato dos organismos estarem fora da água pode levar a dessecação e aumento da salinidade.


Estresses pontuais de caráter regional podem levar a reduções na distribuição de determinados organismos. Por exemplo, na região sudeste, em dias de verão particularmente quentes, onde a água superficial fica próxima dos 30 oC as populações do cnidário colonial Palythoa, também chamado de baba-de-boi, sofrem branqueamento e morte pela perda das algas associadas que garantem sua nutrição, as zooxantelas.



Salinidade


A salinidade em águas oceânicas é maior, ao redor de 36 ppm. Em regiões de estuário a salinidade é mais baixa, dependendo do fluxo de fontes de água doce. Os organismos estão adaptados a viver em um intervalo de salinidade em função da região em que ocorrem. 

Para os organismos de regiões profundas, a variação de salinidade é menor e é devida a variação de grandes massas de água, ligadas a correntes profundas, que podem se aproximar ou afastar da costa em função da época do ano. Já as regiões menos profundas, em locais mais fechados como os estuários, podem estar sujeitas a grandes variações de salinidade durante períodos de precipitação intensa quando os primeiros centímetros da água podem atingir salinidades próximas a da água doce, com morte de muitos dos organismos atingidos.


Nos manguezais, a variação de salinidade normalmente é contínua, com influência maior da água do mar durante a maré alta e água mais salobra durante as marés baixas, por influência das fontes de água doce associadas, em especial rios e riachos. Os organismos dessas regiões têm, portanto, adaptações que permitem a sobrevivência a esse intervalo maior de salinidade.

Para os organismos da faixa de marés, durante a maré baixa a salinidade aumenta muito, devido à dessecação pela exposição ao ar e ao aumento de temperatura, tanto externamente, pela evaporação da água que está ao redor do organismo, quanto internamente, pela perda da água intracelular. Várias adaptações permitem a sobrevivência dos organismos. Uma delas, encontrada nos cirripédios, é a proteção da perda de água. Nesses casos, embora a temperatura aumente, a água é retida dentro da carapaça da craca e não ocorre dessecação. Já as algas têm mecanismos normalmente relacionados a variação de pressão osmótica intracelular. Em regiões onde o estresse é um pouco menor, como as regiões inferiores da própria zona de marés, outros mecanismos estão relacionados não ao indivíduo, mas a população ou mesmo comunidade como um todo, como é a ocorrência em tapetes, onde os indivíduos ocorrem muito agrupados, minimizando a exposição ao ar e propiciando um efeito “esponja”, com a retenção da água entre eles.


Nas poças de marés, isoladas durante a maré baixa, embora não haja dessecação, com o aumento da temperatura ocorre evaporação da água, com aumento da salinidade, uma condição especial em relação ao citado anteriormente.


Nutrientes e sua absorção ou captura


Os organismos bentônicos fixos ou pouco móveis dependem dos nutrientes disponíveis na coluna d'água. É importante lembrar que existem muitos organismos móveis que se alimentam por ingestão de algas ou outros animais, como ouriços, gastrópodes e crustáceos.

Para os organismos fotossintetizantes, a absorção desses nutrientes se dá por todo o corpo do organismo, por difusão e absorção ativa. Alguns nutrientes são aqueles limitantes ao crescimento, pois ocorrem em quantidades menores do que o necessário, ao serem comparados com os demais. Embora isso seja variável em função do ambiente, o mais comum para a maioria deles é o nitrogênio. Em águas costeiras isso pode variar bastante em função dos influxos de produtos a partir da região terrestre, normalmente de origem humana. Com isso, algumas algas podem ser favorecidas em detrimento de outras, influindo na composição e abundância dos organismos presentes.

Para os invertebrados, a absorção da matéria orgânica se dá por filtração das partículas presentes na água, como no caso das esponjas ou mexilhões, por mecanismos de captura de plâncton, como nos cnidários, através de seus tentáculos que contém cnidócitos com substâncias urticantes, ou por difusão a partir da água do mar. É importante observar que alguns grupos possuem mecanismos complexos e complementares de nutrição, por exemplo, no caso dos corais, que se nutrem principalmente a partir de substâncias produzidas por organismos unicelulares fotossintetizantes, as zooxantelas, mas também a partir de captura pelos tentáculos de seus pólipos e por difusão.

A disponibilidade de nutrientes e organismos na água do mar é, portanto, fundamental para a determinação da estrutura das comunidades bentônicas. Em termos geográficos, isso é determinado pelas grandes correntes oceânicas. 

Aquelas de águas frias, provenientes de latitudes elevadas, são normalmente ricas em nutrientes, a exemplo da ACAS, fria e rica em nutrientes que margeia a costa brasileira no sentido sul a norte. Passa a correr abaixo das massas de água mais quentes a partir aproximadamente de Santa Catarina, aflorando na região de ressurgência de Cabo Frio. Na região do Espírito Santo corre em profundidade sobre a plataforma continental e permite o crescimento de algas gigantes, os “Kelps”, no caso do gênero Laminaria. Entretanto, essas algas ocorrem isoladamente, não formando bosques, como na região sub-antártica chilena. 

Por outro lado, as correntes superficiais quentes são pobres em nutrientes (oligotróficas), a exemplo da Corrente do Brasil, que corre ao longo da costa no sentido oposto, limitando o crescimento dos produtores primários e consequentemente de toda a cadeia alimentar.

Em termos locais, um aspecto fundamental relacionado à disponibilidade de nutrientes é a movimentação da água do mar, que influencia o índice de difusão de nutrientes. Em locais de água parada, com poucas ondas e corrente, os nutrientes absorvidos pelo organismo não são repostos ou são muito lentamente, formando um gradiente ao seu redor. Em locais com maior movimentação da água, relacionados a um regime de ondas moderado, a água é constantemente trocada e a disponibilidade de nutrientes se mantém apesar da absorção pelo organismo.

 

Movimentação da água do mar


A movimentação da água do mar está relacionada às correntes oceânicas, com influência principalmente na distribuição geográfica de organismos e ecossistemas (discutida nos tópicos sobre nutrientes e temperatura) e as ondas, com influência local.

Em termos de ondas, a distribuição de um dado organismo, de forma geral, é limitada entre um máximo e mínimo de movimentação da água. Os limites máximos estão ligados a energia e amplitude de ondas, onde organismos mais hidrodinâmicos e com melhor fixação ao substrato conseguem ocorrer em locais mais batidos. 


Os limites mínimos estão ligados ao índice de difusão de nutrientes. Em locais de água parada, com poucas ondas e corrente, os nutrientes absorvidos pelo organismo não são repostos ou o são muito lentamente, formando um gradiente ao seu redor. O aumento progressivo da movimentação da água aumenta a difusão de nutrientes e sua disponibilidade para o organismo. Organismos que necessitam um menor aporte de nutrientes estão melhor adaptados nessas regiões. 


Como exemplo, podemos citar a rodófita Pterocladiella capillacea, que vive em locais sombreados e, portanto, necessita uma grande quantidade de pigmentos fotossintetizantes. Parte desses pigmentos, as ficobiliproteínas, é continuamente degradada pela radiação e sua reposição é dependente da disponibilidade de nitrogênio. Por isso, essa alga somente é encontrada em regiões com ondas mais intensas. Por outro lado, seu hidrodinamismo e capacidade de fixação limitam sua ocorrência em locais com energia de ondas ainda maior, quando são arrancadas.


Circunstâncias extremas ocorrem durante ressacas, quando a força e amplitude de ondas aumenta muito em relação ao normal. Um fator agravante é que as ondas deslocam, em função de sua intensidade, partículas finas, como silte, ou maiores, como areia, pequenos blocos de rochas, ou mesmo grandes blocos, que são arremessados contra os organismos e causam um impacto de abrasão ou esmagamento ainda maior que a água em si. Em locais mais profundos, embora a intensidade de ondas seja menor, o revolvimento do fundo, com a movimentação do sedimento, pode causar o soterramento dos organismos. Nesses ambientes é frequente a ocorrência de organismos com adaptações que permitem sua sobrevivência.


Um exemplo são os bancos de rodolitos situados nas regiões menos profundas de nossa plataforma continental, que até pelo menos 20 m de profundidade são periodicamente dizimados pelas tempestades oceânicas mais intensas, por soterramento e abrasão. Nessas ocasiões as algas verdes da espécie Caulerpa sertularioides conseguem projetar ramos eretos a partir de seus ramos horizontais que ficam enterrados. Por outro lado, a alga vermelha Cryptonemia crenulata consegue permanecer soterrada por algum tempo em boas condições, bem como as próprias algas calcárias sobre os rodolitos, podendo vir a ser expostas por novas movimentações do fundo oceânico.


Turbidez e deposição de sedimentos


A movimentação da água do mar resulta na dispersão de material inorgânico na coluna de água. O aporte de rios e outras fontes de água pode trazer sedimentos. Regiões de desague de rios de médio e grande porte têm constantemente uma maior turbidez da água, além da esperada redução na salinidade, podendo ser barreiras geográficas importantes para o ambiente marinho. Variações sazonais nestes fatores podem estar ligadas, por exemplo, aos períodos mais chuvosos ou aos períodos de maior proximidade da costa de correntes frias de profundidade, ricas em nutrientes.


Além disso, o próprio desenvolvimento de organismos planctônicos pode levar ao aumento da turbidez, por exemplo em águas ricas em nutrientes, seja naturalmente ou por ação do homem.

Um primeiro efeito da presença de partículas na água é a redução da quantidade de radiação solar disponível para o processo de fotossíntese e a variação dos comprimentos de onda que mais penetram a coluna de água, afetando a produção primária e impedindo a presença de espécies de algas que dependam de uma maior quantidade de radiação.


Um segundo efeito é a deposição de sedimento sobre os organismos, dificultando as trocas com o meio em geral, a absorção de nutrientes e obstruindo poros e cavidades dos organismos filtradores. Outras consequências estão relacionadas à toxicidade de várias substâncias presentes no sedimento, que ficam concentradas na superfície do organismo, a exemplo do próprio silte.


As zonas mais profundas dos costões rochosos em regiões estuarinas, em profundidades ao redor de 10 m são um exemplo de ambiente constantemente impactados por distúrbios de deposição de sedimentos. Nessas ocasiões, os organismos ficam soterrados por camadas de centímetros de sedimentos, sobrevivendo apenas aqueles mais adaptados a essa condição, em especial as algas calcárias crostosas, que permanecem vivas e com sua coloração rosada.


Marés vermelhas e poluição


A água do mar pode ser contaminada por produtos tóxicos tanto a partir de fenômenos naturais, como as marés vermelhas (um fator biótico), como a partir da ação do homem, a qual genericamente chamamos de poluição.


As marés vermelhas são comumente associadas a condições favoráveis de nutrientes, temperatura e radiação solar que permitem o desenvolvimento de algas que produzem substâncias tóxicas. O grupo mais comum que causa esse fenômeno é o dos Dinoflagelados, um tipo de Cromoalveolado unicelular componente do plâncton. Um exemplo de condição favorável para ocorrência desses fenômenos é o encontro de massas de água frias e quentes, normalmente quando as águas frias de correntes profundas se aproximam da costa. Na interface dessas de ambas grandes quantidades de nutrientes fica disponível, em uma condição de temperatura alta, metabolicamente propícia ao crescimento do plâncton. Com o desenvolvimento exagerado desses organismos, a toxina que produzem para sua defesa  - frequentemente de cor vermelha -  passa a ocorrer em grande quantidade na água, impactando também os componentes do bentos. Outra consequência que também pode causar impacto é a redução drástica na quantidade de oxigênio devida ao excesso de organismos.


A contaminação pelo ser humano envolve uma ampla variedade de produtos e ocorre em diferentes escalas. Em escala local grande parte das enseadas ocupadas pelo homem recebem esgotos, que envolvem não apenas matéria orgânica, mas uma variedade produtos tóxicos, entre eles metais pesados, com consequências negativas para os organismos bentônicos e também para o homem, ao consumi-los. É comum nessas enseadas, mas não apenas nelas, a presença de portos e cais, com embarcações que podem alterar a água do mar de diferentes maneiras, por exemplo, liberando óleo dos motores. Adiciona-se a isso a presença de indústrias de vários tipos nas proximidades de portos.


Um exemplo da consequência desse conjunto de alterações pode ser dado pelo que ocorreu na Baía de Santos (SP, Brazil), onde observou-se, entre 1957 e 1979 uma enorme redução da biodiversidade de algas, com o desaparecimento de todas as espécies de pardas (ocrófitas) e a redução a menos da metade das vermelhas (rodófitas), situação que ainda se agravou nas décadas posteriores.


É de se ressaltar também as alterações causadas pela maricultura, especialmente de peixes, cujos resíduos, em especial amônia, impactam as comunidades bentônicas. Um exemplo de impacto recente são as comunidades bentônicas da região subantártica de Magalhães no sul do Chile, onde ocorrem os Bosques de Kelps mais conservados do globo, hoje ameaçados pela cultura de salmonídeos.


Uma alteração de grande importância que não pode ser classificada como poluição em um sentido mais estrito é a introdução de organismos exóticos a partir da água de lastro de navios. O coral-sol (Tubastraea spp.), que vem alterando a estrutura das comunidades bentônicas em grande parte do litoral brasileiro, desalojando outras espécies e alterando a dinâmica das comunidades de costão rochoso, é um exemplo de impacto de caráter regional.


Há muitas décadas vêm sendo notados e denunciados impactos relacionados aos oceanos de caráter global, com potenciais consequências para as comunidades bentônicas como um todo. Um dos primeiros, denunciado pelo oceanógrafo Jacques Cousteau ainda na década de 60, foi sobre o filme de óleo que passou a cobrir todos os oceanos, com várias consequências, entre eles alterar as trocas gasosas oceano-atmosfera. Atualmente, a presença de plástico em vários tamanhos, forma e composição é uma grande ameaça. Relacionada ao aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, a acidificação da água do mar se soma às demais.


Outros fenômenos globais também vêm sendo notados, entre eles o aumento do fitoplâncton relacionado ao aumento da temperatura camada superficial do oceano, com consequências na cadeia trófica e nos “blooms” de algas (proliferações), inclusive nas marés vermelhas (1).


Acidificação da água do mar


Embora o pH da água do mar seja um fator relativamente constante na maioria dos ambientes, o aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera tem causado a acidificação da água do mar. Cerca de 25% do dióxido de carbono liberado na atmosfera é absorvido paulatinamente pela água do mar, reagindo com a água do mar e gerando o ácido carbônico e a liberação de íons de hidrogênio na água do mar e redução do pH.


O pH é particularmente importante no processo de formação e estabilidade dos esqueletos calcários, constituídos por carbonato de cálcio, sejam eles conchas, corais ou algas. A formação de carbonato é a via primária através da qual o carbono é retornado do sistema oceano-atmosfera para a terra sólida (2). 


Em uma primeira instância, a acidificação dificulta esses processos, comprometendo o desenvolvimento e sobrevivência dos organismos.


Um grau de acidificação maior pode levar à dissolução do carbonato de cálcio, com consequente liberação do ácido carbônico, o chamado efeito coca-cola, que didaticamente pode ser visto ao se pingar uma gota de ácido em uma concha, que passa a borbulhar, liberando dióxido de carbono. A longo prazo esse processo pode ser crítico, pois existem grandes depósitos de carbonato, acumulados ao longo de milhões de anos pela ação dos organismos calcificados. O maior depósito desse tipo, com dezenas de metros de profundidade, ocorre na costa brasileira, sendo ligado aos bancos de rodolitos e formações coralinas, atuais ou extintas.


Marés


As marés influenciam aqueles organismos que ocorrem nas regiões superiores de vários habitats, como costões rochosos, recifes de arenito, recifes de coral ou manguezais. Estão relacionadas à posição relativa da lua e do sol. Dependendo da região geográfica podem variar tendo apenas uma maré baixa e uma alta ao dia (marés diurnas) ou duas marés baixas e duas altas ao dia (marés semi-diurnas). O intervalo de altura de variação de maré também varia conforme a região sendo, por exemplo, ao redor de 2 m na região sudeste do Brasil, 10 m na região norte do Brasil, podendo chegar a 20 m em regiões da Europa e do Canadá.


Na zona de marés, durante as marés baixas, os organismos ficam expostos a fatores climáticos típicos do ambiente terrestre. A radiação solar causa aquecimento e degradação de pigmentos. O aumento de temperatura, por sua vez, pode levar à perda de água e aumento relativo da salinidade externa e da quantidade de sais dentro das células dos organismos, alteração dos processos metabólicos, estresse e danos. Outros fatores, normalmente importantes no ambiente terrestre, passam a ser importantes. Por exemplo, o vento pode acelerar a perda de água. Chuvas concomitantes à maré baixa podem causar uma redução drástica da salinidade e um choque osmótico. Em regiões temperadas, temperaturas atmosféricas abaixo do ponto de congelamento podem causar morte, devido à formação de cristais de gelo e rompimento das membranas celulares.


Para os organismos da faixa de marés, durante a maré baixa a salinidade aumenta muito, devido à dessecação pela exposição ao ar e ao aumento de temperatura, tanto externamente, pela evaporação da água que está ao redor do organismo, quanto internamente, pela perda da água intracelular. Várias adaptações permitem a sobrevivência dos organismos ali presentes, como evitar a perda de água nos crustáceos cirripédios (cracas), que fica retida dentro da carapaça desses organismos, ou alterar a pressão osmótica, no caso das algas. 


Outros mecanismos estão relacionados a escapes temporais, como é o caso dos organismos com estratégia chamada de “oportunista”. Estes, a exemplo do alface do mar (Ulva lactuca), têm uma taxa de reprodução grande, havendo sempre elementos reprodutivos na água prontos a recrutar no substrato. Em condições favoráveis, após o recrutamento esses organismos têm ainda taxas de crescimento rápidas, que propiciam que em pouco tempo estejam novamente reprodutivos e liberando novos propágulos na água. No caso específico dessa alga, uma Chlorophyta, observa-se nas épocas favoráveis um intenso recobrimento da região entre intermediária a superior da zona de marés por um curto período de tempo.


Em regiões onde o estresse tem uma duração menor, como as regiões inferiores da própria zona de marés, outros mecanismos estão relacionados não ao indivíduo, mas a população ou mesmo comunidade como um todo, como é a ocorrência em tapetes, onde os indivíduos ocorrem muito agrupados, minimizando a exposição ao ar e propiciando um efeito “esponja”, com a retenção da água entre eles.


Devido ao tempo de exposição diferenciado conforme a altura, na zona de marés se observa uma clara zonação. Nos ecossistemas de costão rochoso, essa distribuição tem semelhança na maioria das ecoregiões do globo. As zonas superiores são dominadas por cracas de tamanho pequeno (Chthamalus spp.), apresentando muitos espaços vazios devido aos frequentes distúrbios relacionados à maré baixa, que resultam na morte de organismos. Abaixo disso se observam outras zonas, com tendência à ocorrência de organismos maiores e maior ocupação do substrato, sendo as inferiores normalmente densamente ocupadas por populações ou associações de algas. Nessas regiões inferiores o estresse por fatores abióticos se torna menor e a competição por espaço passa a ser o fator limitante.


Fatores bióticos


Competição


A competição por recursos pode se dar entre espécies ou entre indivíduos de uma mesma espécie. Ela passa a ser o fator mais importante quando a pressão ambiental dos demais fatores é reduzida.


Por exemplo, as partes mais altas da região entre marés dos costões rochosos, expostas frequentemente e por mais tempo durante a baixa-mar, sofrem pressões por fatores abióticos que resultam na morte de muitos indivíduos, restando sempre muitos espaços vazios livres para o assentamento de novos indivíduos.


Já na parte mais baixa, onde a exposição diminui muito, o substrato é totalmente ocupado, só sendo possível o recrutamento de novos esporos, zigotos ou larvas quando ocorre um distúrbio liberando espaço. Dessa forma, a competição por espaço é frequentemente o fator mais importante nessa zona. Diversas estratégias são utilizadas para ocupar ou se manter nesses espaços. Organismos oportunistas, com grande capacidade de reprodução e crescimento rápido são as primeiras a se instalar, embora tenham capacidade de se manter por períodos curtos, sendo sobrepujadas por outras espécies. Por exemplo, algas com maior tamanho podem sombrear as iniciais, que não conseguirão se manter e paulatinamente serão substituídas pelas novas espécies. Dentre as estratégias mais elaboradas está o chamado efeito chicote, onde algas maiores e coriáceas, por efeito das ondas, arrancam os propágulos em desenvolvimento sob elas. Em alguns casos, algas pardas do gênero Sargassum podem causar esse efeito, quando então se observam espaços vazios sob elas.


Em outras comunidades e momentos, a competição pode ser por outros recursos. Nos Bosques de Kelps, por exemplo, onde as algas atingem dezenas de metros, a competição pela radiação solar tem maior importância relativa. Da mesma forma, em ambientes oligotróficos com baixa movimentação da água a competição por nutrientes pode se tornar mais importante.


Predação e herbivoria


Os ambientes bentônicos apresentam uma cadeia alimentar complexa onde, por exemplo, existe em muitos casos, um aporte considerável de matéria orgânica a partir do plâncton.


Há mais de meio século experimentos de ecologia experimental marinha vem demonstrando a importância da predação em alguns ambientes bentônicos, onde são o principal fator estruturante do ambiente.

Por exemplo, em costões rochosos situados na região abaixo da zona de marés (infralitoral), onde os organismos nunca ficam expostos durante a maré baixa, os principais herbívoros são peixes, ouriços e, eventualmente, tartarugas marinhas que modelam o ambiente. 

A alimentação dos ouriços consiste na raspagem do substrato com aparatos especiais semelhantes a dentes, as rádulas. Ao redor dos locais onde ocorrem grupos destes animais, o resultado da herbivoria é visível, restando muitas vezes algas calcárias crostosas incrustantes, de cor rosada, sobre a pedra, uma vez que são as mais difíceis de digerir. As consequências da herbivoria por peixes ou tartarugas é menos evidente, uma vez que o deslocamento desses animais é muito maior.

Um exemplo clássico também relacionado a ouriços consiste no ocorrido nos Bosques de Kelps da Califórnia, na década de 1970, onde ocorre extração de algas do gênero Macrocystis para extração de alginato, um ficocolóide. Observou-se inicialmente que essas algas, que atingem até 60 m de altura, começaram a aparecer soltas do substrato, boiando na superfície, uma vez que possuem vesículas de ar que atuam como boias e que têm a função de mantê-las eretas na coluna de água. A observação do fundo mostrou uma proliferação anormal de ouriços, que se alimentavam da base dessas algas, causando seu desprendimento do substrato, com consequências para a estrutura da comunidade e também para a atividade econômica. Posteriormente, ficou evidenciado que a causa do aumento da quantidade de ouriços foi a predação, pelo homem, das lontras marinhas, seus predadores naturais.

Existem diversas adaptações que protegem plantas e animais da ação de herbívoros e predadores. Entre elas está o acúmulo de substâncias tóxicas, como no caso do cnidário colonial baba-de-boi (Palythoa spp.), que ocupa porções significativas do infralitoral na região sudeste, ou a redução da palatabilidade e digestibilidade, como no caso das algas calcárias incrustantes. O refúgio no crescimento e tamanho é outra estratégia, onde a partir de um certo tamanho a predação por um organismo deixa de ser possível. Outra estratégia é a de alternância temporal, quando o organismo ocorre em maior abundância em uma época do ano distinta do predador.

É importante observar que a herbivoria e predação ocorrem em todos os ambientes, mas nem em todos é o principal fator estruturador da comunidade. Por exemplo, o gastrópode Littorina spp. ocorre nas regiões mais altas da zona de marés e mesmo acima dela raspando as microalgas que ali ocorrem.


Epibiose


A epibiose é uma relação importante nos ambientes bentônicos, podendo-se encontrar centenas de organismos macroscópicos vivendo sobre seus hospedeiros. Inúmeros tipos de adaptação permitem esse tipo de relação.


Um exemplo, que ocorre na faixa de marés dos costões rochosos, é a alga vermelha Hypnea musciformis, que só ocorre sobre hospedeiros como a feofícea Sargassum spp. ou a rodófita Pterocladiella capillacea. Hypnea tem como características ramos em forma de gavinhas, que permite uma melhor fixação e taxas de crescimento muito altas, permitindo rapidamente ultrapassar o tamanho do hospedeiro que, por vezes, fica totalmente coberto e invisível. Nesses casos, o arrasto causado pela alga epífita pode causar, em função do movimento de ondas,  o arranque do hospedeiro do substrato, com a morte de ambas.


Outro exemplo importante nos costões rochosos é o da meiofauna, animais de pequeno porte, frequentemente crustáceos gamarídeos, que vivem sobre o organismo em grande quantidade e dele se alimentam. Esses animais possuem capacidade natatória, podendo se deslocar de organismo a outro.


Nos Bosques de Kelps os epibiontes também ocorrem, porém em uma escala de tamanho diferente, uma vez que as algas possuem dezenas de metros. Aqui são encontrados como epibiontes, por exemplo, cefalópodes, caranguejos de grande porte, actínias ou anêmonas. Alguns desses caranguejos, como a “centolla” e o “centollon” são produtos de grande importância econômica na região sub-antártica do Chile.


Recrutamento e sucessão


Os processos reprodutivos, levando a formação de esporos, zigotos, larvas e outros tipos de propágulo, que posteriormente recrutam sobre um substrato disponível e passam a integrar o processo de sucessão ecológica, são fundamentais para a estruturação do costão. Muitas vezes, o processo de sucessão e as características finais de uma comunidade dependem do tipo de propágulo disponível na água no momento em o espaço é liberado para fixação, por algum tipo de distúrbio abiótico ou biológico.


As algas oportunistas, com grande taxa de reprodução e, portanto, grande número de propágulos na água, são as primeiras a recrutar. Como normalmente possuem uma estrutura simples, filamentosa ou foliácea, têm taxas de crescimento muito rápidas e recobrem todo o substrato. São exemplos as Ectocarpales, feofíceas filamentosas, ou a clorófita Ulva lactuca, o alface do  mar.


Posteriormente, esses organismos que têm menor capacidade de permanência por longos períodos, são parcialmente desalojados e permitem o recrutamento de outras espécies, cujos recrutas são muitas vezes favorecidos pelas condições criadas pelos organismos pioneiros. As espécies que correspondem a estágios tardios da sucessão têm talos mais complexos, crescimento mais lento e taxas de reprodução menores, podendo ser anuais ou mesmo perenes, a exemplo dos gêneros Sargassum e Pterocladiella, que ocupam a parte inferior da zona de marés dos costões rochosos.


Referências